10 maio 2024

Sessão gritos inaudíveis #07

Uma das maiores crueldades que nosso ser nos aplica é a capacidade de nos imaginarmos em cenários. Não apenas isso, mas a capacidade de nos enxergarmos dentro deles tão intrinsicamente que os vivemos enquanto eles não existem. Todas essas salas, todas essas portas, todos esses cenários, momentos imaginários tão reais quanto a dor que me enche o peito e a tristeza que me transborda o mar dos olhos. Alguns eu nunca mais vou visitar e sei disso, escolhi por não fazê-lo. Outros não consigo adentrar por razões diferentes, por medos, inseguranças, por não conseguir alcançá-los ou correspondê-los, mas principalmente por todos serem compartilhados, e isso sempre será um convite ao mesmo passo que é uma recusa. Eu só queria ser um cara bom, humilde e feliz, que encontrasse o amor, aquele tipo de amor que me faz alguém melhor e menos autodestrutivo, menos desorientado. Eu acredito nesse cenário aonde encontro o amor, aonde há duas mãos junto às minhas, onde o sorriso dessa pessoa me dá forças e podemos rir juntos, e caminhar sem medo sob o sol e nuvens brancas num céu azul. Quero viver nesse local, quero esse alguém, quero essa vida que eu acredito ser possível. Por que nunca consigo isso? Por que nunca alcanço esse lugar? Essa percepção me entristece tanto, me faz tão desesperançoso e solitário. Eu estou começando a ver esse cenário cada vez mais borrado e distante, com lágrimas de chuva e ausência do tato, com frio e desnutrido, e principalmente, sem outro alguém. Sem mais ninguém. E a cada cenário que sou incapaz de ter e viver eu sei que eles vão se esgotando. Peço desculpas a todos pelos quais passei e não verdadeiramente alcancei, aos que não consegui viver ao lado por minhas próprias fraquezas e inconsistências. Me desculpem por ter magoado cada um de vocês, por não ter conseguido encontrar esse amor, por deixar que cada um de vocês encontrasse a felicidade nos cenários de outras pessoas. Bem, ao menos vocês conseguiram. Eu acho que nasci pra ser sozinho, ou pelo menos, pra acreditar em outra coisa, ter outra natureza.

Eu vou morrer sozinho. Sem mim, sem você. Sem ninguém.

16 abril 2024

Sessão gritos inaudíveis #06

Muitas vezes tenho uma determinada resistência com certas perpeções da vida, e algumas vezes preciso lembrar que nem tudo sairá do jeito que espero. Ainda assim costumo tentar não levar a mal, mas é difícil. É inevitável se perguntar algumas coisas, e é desesperador não conseguir entender e ter apenas o resultado final de uma operação que você não sabe como foi feita.
Por que acabou?
Por que me sinto diferente?
Por que nossa amizade não bastou?
Por que tive que me afastar?
Por que você teve que se mudar?
Por que você nunca mais falou comigo?
Por que você diz sentir saudade mas nunca tenta me ver?
Por que você não me responde?
Por que o amor não é suficiente?
Por quê?
Eu não tenho resposta pra nenhuma dessas perguntas, pra nenhuma dessas pessoas e situações, tudo que eu sei é que esses foram os resultados finais, e isso pode ser sufocante de maneiras muito únicas e desabilitantes. Eu sei que vou continuar procurando viver sem questionar tão vorazmente tudo isso, vou continuar tentando ser uma pessoa melhor do que ontem, e sei que parte dessa busca é aceitar que alguns ciclos apenas acabam, mas até eu alcançar o não enfrentamento, a paz da aceitação, seguirei com meus gritos inaudíveis, bradando aos quatro ventos um lamento desesperado que não faz nem nunca fez barulho.

19 fevereiro 2024

Vulnerabilidade.

Pacificamente eu me desfiz de muitas das minhas barreiras, me despi de meus adornos e me encarei depois de muito tempo. Me senti frágil e machucado, alvejado, com muitos hematomas e feridas. A vida adulta é tão difícil, sabe? Às vezes é só tudo demais e a gente não sabe o que fazer pra seguir em frente sem cometer nenhum erro. Mas dessa vez eu fiquei vulnerável de uma maneira muito serena, e mesmo com receio, virei e deixei que me encarasse e que me avaliasse sem tentar me esconder dentro de minhas próprias profundezas. De alguma forma isso me fez tão mal quanto bem, mas eu resisti e permaneci firme em minhas pernas que pediam tremor. Não cortei o cabelo nem fiz a barba, não havia gravata ou a calça vincada, era apenas... eu. Cabelos brancos, meu tornozelo torcido, as cicatrizes, você percorreu tudo com seu olhar e se aproximou. Eu estremeci levemente e quis me afastar, mas fiquei ali parado. Aguardando um toque tão frio quanto o meu, fechei meus olhos e me senti indefeso, mas quando seus dedos tocaram os meus eu senti calor, morno e confortável como uma tarde de sol ameno, e quando abri meus olhos... você sorriu. Você estava sem seus adornos também, sem suas barreiras e distrações, e você também estava muito machucada e ferida, talvez até mais do que eu. Com uma surpresa incontida eu sorri também, nossos olhos se encontraram e marejaram. De mãos dadas nós choramos e sorrimos juntos. Foi ruim. Mas também foi muito bom. Eu entendi que à partir dali não estava mais sozinho, e você também não.